Abaixo transcrevo um trecho do artigo do Msc Julyver Modesto de Araújo,
que aborda as questões pertinentes ao ato de fiscalizar e não autuar, quando
houver irregularidade por parte do condutor. Interessante a abordagem do autor,
em relação ao uso do bom senso e do “fazer
vista grossa”, por parte do Agente
Fiscalizador quando constatar alguma infração. Portanto, é questionável a
entrega de panfletos ou as abordagens educativas feitas pelos Agentes da Autoridade
de Trânsito no exercício de sua função.
MULTAR OU NÃO MULTAR: EIS A QUESTÃO
...Afinal, o conceito de
fiscalização de trânsito (Anexo I do CTB) é o de "controle do cumprimento
das normas estabelecidas na legislação de trânsito" e, a bem da verdade,
evitar que a infração ocorra também é controlar o cumprimento da lei. A
orientação ao condutor deve sempre existir, mas para que a infração não seja
cometida, nunca após a sua ocorrência. Minha concepção é a de que o agente
deve, sempre que possível, orientar um condutor que esteja estacionando em
local proibido, para que não o faça, ou um motociclista, para que coloque o
capacete, antes de sair com sua moto; entretanto, depois que as infrações já
foram cometidas, só existe o dever legal de autuação.
Muitos órgãos de trânsito
têm promovido as chamadas blitzes educativas [10], nas quais agentes de
trânsito (ou outros funcionários) abordam condutores infratores, para
entregar-lhes panfletos com orientações gerais, e tentar, por meio da
"educação para o trânsito", convencê-los a adotar um comportamento
mais seguro. A idéia é ótima e, por certo, traz bons resultados. O único
cuidado necessário, porém, é que o trabalho de educação seja direcionado aos
condutores em geral, como uma ferramenta de maior aproximação entre órgão de
trânsito e a comunidade, mas NUNCA deve substituir a autuação do condutor
infrator. Quando o próprio órgão de trânsito realiza uma atividade operacional
dessa natureza, deixando de punir os infratores, para somente adverti-los
verbalmente (o que não é previsto no CTB), transmite a errônea mensagem, a toda
a população, de que a autuação é desnecessária e pode ser suprimida da rotina
do agente de trânsito, a qualquer momento, bastando que ele assim o queira.
Os resultados positivos
iniciais acabam, assim, tornando-se uma grande armadilha para a gestão do
trânsito, pois serão, posteriormente, usados como argumento por aqueles que
forem efetivamente multados em situações futuras.
O trabalho de educação
para o trânsito é não só primordial, mas uma exigência para o órgão de trânsito
municipal (a ponto de se constituir um dos requisitos para a integração do
município ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme artigo 1º da Resolução do
CONTRAN n. 296/08). Mas é um erro imaginar que educar para o trânsito significa
apenas transmitir noções seguras aos motoristas. Se partirmos do princípio que
a verdadeira educação se constata quando houve uma mudança de comportamento,
forçoso concluir que a multa também educa, pois é a imposição de sanções que dá
a eficácia da norma jurídica.
Embora seja difícil
aceitar a postura legalista do agente de trânsito (especialmente, quando se
está no lugar do infrator), qualificando-a como intransigente e ausente de
"bom senso", o fato é que o servidor público não está autorizado a
"entrar em acordo" com quem descumpre a lei; aliás, quando assim o
faz, também passa a ser um infrator, sujeito às penas, por descumprir o dever
de ofício, inerente ao cargo que ocupa.
Assim como comete crime o
funcionário público que exige vantagem indevida, para deixar de fazer o que lhe
compete (CONCUSSÃO – artigo 316 do Código Penal), ou que, apesar de não exigir,
"apenas" solicita ou recebe o que lhe é oferecido (CORRUPÇÃO PASSIVA
– artigo 317 do CP), também é criminoso aquele que, mesmo sem aceitar dinheiro
ou qualquer outra vantagem, deixa de cumprir a lei movido por sentimentos ou
interesses pessoais ou, ainda, atendendo solicitação ou influência de outra
pessoa.
Ao primeiro crime
mencionado, dá-se o nome de PREVARICAÇÃO, palavra que não é totalmente
desconhecida do público em geral, e que constitui o nomem juris do crime do
artigo 319 do Código Penal, ocorrendo, por exemplo, quando o agente de trânsito
deixa de autuar um veículo infrator, por ser de propriedade de alguém de seu
convívio pessoal ou, num caso meramente hipotético, omite-se na fiscalização de
estacionamento irregular defronte um estabelecimento que lhe franqueia a alimentação.
Todavia, não são apenas os
sentimentos e interesses pessoais que devem ser evitados, mas, da mesma forma,
os pedidos indecentes de se "fazer vista grossa", como se diz
vulgarmente. Sei que é difícil, ao agente de trânsito, trabalhar da maneira sugerida,
em uma sociedade em que a igualdade jurídica é falácia, em que, em vez de
"todos serem iguais perante a lei", alguns são mais iguais que os
outros, em que "quem pode mais, chora menos" e, lamentavelmente os
privilégios aos que têm poder são parte de nossa própria cultura. Entretanto,
cabe registrar que o funcionário público que cede a influências ou pedidos
também é qualificado como corrupto, pela legislação penal, pois, independente
de não existir vantagem própria, corrompe o seu dever de probidade: o § 2° do
artigo 317 do Código Penal (denominado, pela doutrina, de "corrupção
passiva privilegiada") tipifica a conduta do funcionário público que deixa
de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo
a pedido ou influência de outrem.
Existem, portanto, 4
crimes que são cometidos pelo agente de trânsito que não autua um infrator,
quando constatada a conduta irregular: concussão (quando exigida a vantagem
indevida); corrupção passiva (quando a vantagem indevida é aceita);
prevaricação (quando movido por interesses e sentimentos pessoais) e corrupção
passiva privilegiada (quando atendida solicitação ou influência de outrem).
Como falar em "bom senso", como sinônimo de "não fazer", se
isso configura crime?
Leia o artigo na íntegra
em http://jus.com.br/artigos/14797/multar-ou-nao-multar-eis-a-questao