MULTAR OU NÃO MULTAR: EIS A QUESTÃO

terça-feira, 3 de setembro de 2013 Karine Winter

Abaixo transcrevo um trecho do artigo do Msc Julyver Modesto de Araújo, que aborda as questões pertinentes ao ato de fiscalizar e não autuar, quando houver irregularidade por parte do condutor. Interessante a abordagem do autor, em relação ao uso  do bom senso e do “fazer vista grossa”,  por parte do Agente Fiscalizador quando constatar alguma infração. Portanto, é questionável a entrega de panfletos ou as abordagens educativas feitas pelos Agentes da Autoridade de Trânsito no exercício de sua função.


                      MULTAR OU NÃO MULTAR: EIS A QUESTÃO







...Afinal, o conceito de fiscalização de trânsito (Anexo I do CTB) é o de "controle do cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito" e, a bem da verdade, evitar que a infração ocorra também é controlar o cumprimento da lei. A orientação ao condutor deve sempre existir, mas para que a infração não seja cometida, nunca após a sua ocorrência. Minha concepção é a de que o agente deve, sempre que possível, orientar um condutor que esteja estacionando em local proibido, para que não o faça, ou um motociclista, para que coloque o capacete, antes de sair com sua moto; entretanto, depois que as infrações já foram cometidas, só existe o dever legal de autuação.

Muitos órgãos de trânsito têm promovido as chamadas blitzes educativas [10], nas quais agentes de trânsito (ou outros funcionários) abordam condutores infratores, para entregar-lhes panfletos com orientações gerais, e tentar, por meio da "educação para o trânsito", convencê-los a adotar um comportamento mais seguro. A idéia é ótima e, por certo, traz bons resultados. O único cuidado necessário, porém, é que o trabalho de educação seja direcionado aos condutores em geral, como uma ferramenta de maior aproximação entre órgão de trânsito e a comunidade, mas NUNCA deve substituir a autuação do condutor infrator. Quando o próprio órgão de trânsito realiza uma atividade operacional dessa natureza, deixando de punir os infratores, para somente adverti-los verbalmente (o que não é previsto no CTB), transmite a errônea mensagem, a toda a população, de que a autuação é desnecessária e pode ser suprimida da rotina do agente de trânsito, a qualquer momento, bastando que ele assim o queira.
Os resultados positivos iniciais acabam, assim, tornando-se uma grande armadilha para a gestão do trânsito, pois serão, posteriormente, usados como argumento por aqueles que forem efetivamente multados em situações futuras.

O trabalho de educação para o trânsito é não só primordial, mas uma exigência para o órgão de trânsito municipal (a ponto de se constituir um dos requisitos para a integração do município ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme artigo 1º da Resolução do CONTRAN n. 296/08). Mas é um erro imaginar que educar para o trânsito significa apenas transmitir noções seguras aos motoristas. Se partirmos do princípio que a verdadeira educação se constata quando houve uma mudança de comportamento, forçoso concluir que a multa também educa, pois é a imposição de sanções que dá a eficácia da norma jurídica.

Embora seja difícil aceitar a postura legalista do agente de trânsito (especialmente, quando se está no lugar do infrator), qualificando-a como intransigente e ausente de "bom senso", o fato é que o servidor público não está autorizado a "entrar em acordo" com quem descumpre a lei; aliás, quando assim o faz, também passa a ser um infrator, sujeito às penas, por descumprir o dever de ofício, inerente ao cargo que ocupa.

Assim como comete crime o funcionário público que exige vantagem indevida, para deixar de fazer o que lhe compete (CONCUSSÃO – artigo 316 do Código Penal), ou que, apesar de não exigir, "apenas" solicita ou recebe o que lhe é oferecido (CORRUPÇÃO PASSIVA – artigo 317 do CP), também é criminoso aquele que, mesmo sem aceitar dinheiro ou qualquer outra vantagem, deixa de cumprir a lei movido por sentimentos ou interesses pessoais ou, ainda, atendendo solicitação ou influência de outra pessoa.

Ao primeiro crime mencionado, dá-se o nome de PREVARICAÇÃO, palavra que não é totalmente desconhecida do público em geral, e que constitui o nomem juris do crime do artigo 319 do Código Penal, ocorrendo, por exemplo, quando o agente de trânsito deixa de autuar um veículo infrator, por ser de propriedade de alguém de seu convívio pessoal ou, num caso meramente hipotético, omite-se na fiscalização de estacionamento irregular defronte um estabelecimento que lhe franqueia a alimentação.

Todavia, não são apenas os sentimentos e interesses pessoais que devem ser evitados, mas, da mesma forma, os pedidos indecentes de se "fazer vista grossa", como se diz vulgarmente. Sei que é difícil, ao agente de trânsito, trabalhar da maneira sugerida, em uma sociedade em que a igualdade jurídica é falácia, em que, em vez de "todos serem iguais perante a lei", alguns são mais iguais que os outros, em que "quem pode mais, chora menos" e, lamentavelmente os privilégios aos que têm poder são parte de nossa própria cultura. Entretanto, cabe registrar que o funcionário público que cede a influências ou pedidos também é qualificado como corrupto, pela legislação penal, pois, independente de não existir vantagem própria, corrompe o seu dever de probidade: o § 2° do artigo 317 do Código Penal (denominado, pela doutrina, de "corrupção passiva privilegiada") tipifica a conduta do funcionário público que deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem.

Existem, portanto, 4 crimes que são cometidos pelo agente de trânsito que não autua um infrator, quando constatada a conduta irregular: concussão (quando exigida a vantagem indevida); corrupção passiva (quando a vantagem indevida é aceita); prevaricação (quando movido por interesses e sentimentos pessoais) e corrupção passiva privilegiada (quando atendida solicitação ou influência de outrem). Como falar em "bom senso", como sinônimo de "não fazer", se isso configura crime?


Imagem: http://www.jagostinho.com.br