Quarta-feira de cinzas, 22 de fevereiro... o
ano de 2012, finalmente, está começando... exceto, logicamente, para aqueles
que decidiram “emendar o feriado” e continuarão comemorando o Carnaval até o próximo domingo... Mas nem
tudo, obviamente, é comemoração; aliás, na terra do Rei Momo, entre fantasias e
marchinhas carnavalescas, a única certeza que tínhamos, antes de colocar o
bloco na rua, é que algumas pessoas não voltariam para suas casas. Apesar de
parecer não ser o momento para um assunto tão melancólico, não é preciso ter
dons premonitórios para saber que o trânsito, mais uma vez, faria crescer o
número de vítimas. No balanço final da
Polícia Rodoviária Federal, uma boa notícia: redução de quase 20% no número de
mortos nas rodovias federais do Brasil (sem levar em conta o aumento da frota),
comparando-se o Carnaval de 2012 com o do ano anterior... trata-se, obviamente,
de uma boa, mas triste notícia, já que, não obstante a diminuição, morreram 176
pessoas (com lesões em um número dez vezes maior), durante os festejos
carnavalescos, várias delas enquanto
iam para os seus destinos...
somam-se a este quadro o número de mortos e feridos nas rodovias estaduais e
nas aglomerações urbanas, e teremos uma calamidade pública, sem nenhum exagero.
Assistimos impassíveis às privações e prejuízos alheios, como se não
estivéssemos correndo os mesmos riscos... É como se a vida, que nos é tão cara,
parecesse tão frívola, apenas por pertencer ao outro. E, ao som do frevo, do
axé, do samba e de outros ritmos tupiniquins, saudamos a existência dos pierrôs
e colombinas que o trânsito não silenciou. Quem poderia prever, afinal, que este seria o
seu último Carnaval? Que sua vida seria interrompida,
de maneira tão abrupta? Que sua família sofreria uma perda irreparável, que
alteraria, irremediavelmente, a rotina de várias outras pessoas? Que viraria um
mero número nas estatísticas oficiais, daqueles que perderam a sua vida no
trânsito? Mas esta realidade, efetivamente, é a que “surpreendeu” muitos brasileiros
em mais um feriado nacional... No Rio
Grande do Sul, um motorista de apenas 18 anos atropelou dezessete pessoas (uma das
vítimas, de 15 anos, em estado grave) e fugiu do local. Após ser detido em casa
pela Polícia, foi indiciado (pelo menos, inicialmente) por lesão corporal
culposa (artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, com pena de detenção, de
seis meses a dois anos) e, se assim considerado, poderá responder ao processo
em liberdade. No litoral de São Paulo, fora do asfalto, outro fato chocante: um
menor de idade que conduzia um jet ski (ou que somente havia ligado o veículo,
segundo a defesa), foi apontado como causador da morte de uma menina de 3 anos,
que estava na areia da praia. Segundo consta, nem o menor, nem a sua família,
teriam prestado socorro à vítima, mas o advogado apressou-se em informar que
ele pretendia se apresentar à Polícia na quinta-feira, após o Carnaval. Muitas outras foram as histórias tristes que
mudaram, para sempre, a vida de várias famílias. E quantos serão os culpados
que, realmente, pagarão pelos erros cometidos? Qual será, efetivamente, a
punição aplicada aos causadores dos mais de
três mil contingentes de trânsito
ocorridos durante os seis dias de “folia”? (considerando-se apenas a malha
rodoviária federal) Enquanto isso, um
fato chama a atenção para o sistema jurídico brasileiro: durante a apuração do
desfile das Escolas de samba, na capital paulista, dois homens são acusados de
dar início a um tumulto generalizado, contra os votos dados pelos jurados. Um
deles invade o local destinado à Comissão organizadora e, num rompante
imperdoável, subtrai e destrói algumas cédulas de votação; felizmente, logo é
preso e acusado de dano ao patrimônio e supressão de documentos, crimes que a
lei penal considera mais graves que o
homicídio culposo ou a lesão corporal no trânsito, motivo pelo qual é
levado diretamente à penitenciária, já que não se pode arbitrar fiança para
crimes tão bárbaros. Fiquei feliz em
saber que nosso Carnaval foi salvo! Pelo menos este também não voltará tão cedo
pra casa...
São Paulo, 22 de
fevereiro de 2012.
JULYVER MODESTO DE
ARAUJO Presidente da ABPTRAN – Associação Brasileira de Profissionais do
Trânsito