O TRÂNSITO E A CIDADANIA

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011 Karine Winter



TEXTO DE: Andrea Nunes da Silva  - Psicóloga e educadora
A idéia de cidadania surgiu na Idade Antiga, após períodos de muita desigualdade social, onde abastados senhores donos de terras exploraram gerações e mais gerações de homens comuns que, apesar de responsáveis pela produção, nunca tiveram direito a nada. “Cidadãos” eram somente aqueles que tinham posses, e só a eles cabia a participação nas decisões pertinentes a comunidade e ao gozo dos privilégios que a cidade oferecia. Após algumas guerras e revoluções, a idéia de cidadania modificou-se bastante e hoje, ser “cidadão” passou a ser um direito de todos os homens, ricos ou pobres. Cidadania é um conceito amplo que fundamentalmente caracteriza o homem como um ser capaz de tomar parte nas decisões que determinam o andamento da sua própria vida. De acordo com o princípio máximo da cidadania, a constituição, “todos têm direito iguais”. O trânsito, por sua vez, está diretamente relacionado à atividade humana e seu deslocamento no espaço. Para atender as suas necessidades e obrigações as pessoas se deslocam. O que quer que o homem desenvolva, ele depende do transporte para concretizar os seus objetivos.  O crescimento tecnológico ocorrido nas últimas décadas, assim como a diversidade de atividades que passaram a ser desenvolvidas nas cidades foram os fatores responsáveis por um grande aumento de problemas e de conflitos nos deslocamentos realizados pelos seres humanos. Além do aumento da população nas cidades ocorreu também um aumento considerável no tamanho das frotas de veículos e a disputa por espaço é hoje um grande problema urbano.  A maneira como as pessoas participam individualmente do trânsito é uma questão social e política. O trânsito é uma construção coletiva que se define pela somatória das contribuições individuais de cada morador, de cada condutor e de cada pedestre da cidade. Ainda que cada indivíduo no trânsito tenha objetivos e necessidades a serem supridas, é preciso que cada um também considere e respeite as necessidades dos outros. Caso contrário o trânsito corre o risco de se transformar em um campo de batalha, onde vence o mais forte e onde o princípio de cidadania não é aplicado.  Sociólogos analisam a situação do pedestre no Brasil e classificam-no como um cidadão de segunda classe, inferiorizado em suas necessidades de deslocamento, desrespeitado e atropelado. Do ponto de vista ideológico ou político o pedestre ocupa uma posição menos confortável no trânsito porque, teoricamente, por não possuir um veículo, ele não faz parte das classes socialmente mais favorecidas economicamente. Pedestres tentam deslocar-se por entre centenas de automóveis, motos e veículos de grande porte e até mesmo por entre corajosas bicicletas que, no meio da fumaça preta, também tentam driblar os grandes incômodos causados pela superlotação das vias públicas e pela poluição  O motorista, dono do automóvel por outro lado, julga-se com muito mais direito à circulação dos que os demais participantes do trânsito. Exige prioridade, força a passagem, ignora os direitos dos outros e, com isso, regride ao tempo antigo onde uns podiam muito mais do que outros.  A saturação do sistema viário faz com que os órgãos de trânsito dos municípios adotem diversas medidas para minimizar os congestionamentos e os conflitos decorrentes da competição por espaço. A forma como a sociedade organiza os deslocamentos da população, tentando administrar estes conflitos e esta disputa por espaço é uma questão social e política. O uso democrático da via pública deve levar e conta que um automóvel utiliza, por pessoa, muito mais espaço do que o transporte público. Em cidades como São Paulo, por exemplo, no espaço ocupado por um único carro poderiam caber sete pessoas caso estivessem em transporte coletivo.  Os investimentos em transportes e sinalização em uma cidade onde o trânsito é exercido com cidadania devem atender às necessidades da população como um todo, sem privilegiar ou outro setor específico da sociedade. Quando os investimentos privilegiam setores específicos, como por exemplo, aquele que têm acesso ao transporte individual ou então somente aos indivíduos que não apresentam nenhuma deficiência física, os direitos do cidadão ficam comprometidos e a qualidade de vida no trânsito se transforma em utopia. Estabelece-se a partir daí, uma desigualdade de direitos que não traz benefício nenhum à comunidade, mas, ao contrário produz estresse e até mesmo violência.  Na verdade, o que ocorre é que sejam pedestres, motociclistas ou condutores de qualquer veículo, todos têm o mesmo direito e querem a mesma coisa, chegar ao seu destino. É importante, porém, que na busca pela concretização do desejo de ir e vir, um indivíduo não impeça o outro desse direito. Todas as pessoas, com deficiências físicas ou não, com carros ou não, todas têm projetos, objetivos e interesses individuais que buscam realizar dentro da sociedade da qual fazem parte. A concretização de alguns desses projetos implica em interação com o coletivo e negociação com outros indivíduos do grupo social. A “negociação” entre os indivíduos é um exercício de cidadania. É necessário, para facilitar e organizar esta negociação, a existência de normas justas que possibilitem a satisfação das necessidades individuais sem prejuízo das necessidades do grupo como um todo, e o respeito a estas normas estabelecidas. Requer conscientização a respeito da estruturação da sociedade, responsabilidade com relação aos objetivos do grupo e comprometimento na construção de uma sociedade mais justa e com mais qualidade de vida.