A secretária Giselle Beralde sempre seguiu
rigidamente todas as leis de trânsito. Ela tirou a carteira de habilitação há
três anos e nunca foi multada. É uma adepta da direção defensiva. Mas, um dia,
um pequeno incidente desmoronou por completo suas convicções. “Eu estava
aguardando o semáforo abrir quando uma louca veio para a direita, costurando. O
sinal abriu e ela nem brecou, me deu uma fechada. Buzinei e, só de pirraça, ela
diminuiu a velocidade, ficou bem devagar, impedindo que eu passasse”, conta Giselle,
que se exalta só de relembrar a cena.A partir desse momento e pelos 20 minutos
seguintes, Giselle iniciou uma perseguição irracional ao outro carro, chorando,
batendo as mãos no volante e buzinando sem parar. “Fiquei completamente fora de
mim. Tudo o que eu pensava era em matar a mulher. Juro. Nunca tive uma reação
tão forte como essa. Foi um verdadeiro ataque de fúria”, admite. É bem possível
que Giselle sofra de TEI, ou transtorno explosivo intermitente. Trata-se de um
distúrbio que se manifesta com muita clareza em motoristas sob forte tensão no
trânsito. “A pessoa tem um impulso furioso imprevisto e normalmente se
arrepende do que fez”, conta a psicóloga Vânia Calazans. “A tensão do trânsito
é um motivador para essas crises.” Vânia explica que a doença é contraída em
decorrência do ambiente em que se vive, mas pode também ter causas genéticas.
Deve ser tratada com acompanhamento psiquiátrico e, provavelmente, medicação.
Uma estimativa da American Psychological Association considera que 6% da
população pode apresentar esse transtorno – e, na maioria das vezes, ele se
manifesta em motoristas que vivem situações tensas no trânsito de modo
rotineiro. Mas não são apenas as vítimas desse transtorno que têm acessos de
fúria, raiva e até brigam nos pequenos incidentes registrados nas ruas das grandes
cidades. Na verdade, o trânsito é um ambiente propício para manifestações
assim. “Temos vidas estressantes e, cercados pela tensão do trânsito, os
motoristas têm reações fortes”, afirma Vânia. Segundo a psicóloga, o trânsito é
um gatilho para que ocorram acessos de fúria. Primeiramente porque, dentro do
carro, o motorista tem a sensação de estar protegido. Em segundo lugar, porque
usufrui de certo anonimato. E, finalmente, tem a sensação de que não será
punido, independentemente da atitude que venha a tomar. “É diferente de estar
em um supermercado ou na fila do banco e arrumar uma briga com as pessoas que
estão à sua volta. Nesse caso, não há proteção, anonimato ou impunidade.” Por
causa dessas razões, as brigas no trânsito, com palavrões, gestos e até
agressões físicas, são comuns em todo o mundo. Um levantamento feito pelo
Instituto Gallup entre 2002 e 2003, com 13.700 motoristas de 23 países,
concluiu que 66% dos americanos e 48% dos europeus já sofreram algum incidente
relacionado à direção agressiva. No Brasil, não há muitas estatísticas, mas um
estudo feito pela Universidade de Brasília revelou que a principal causa de
conflitos no trânsito é a falta de educação. Motoristas que colam na traseira
do carro à frente, fecham os outros, desrespeitam o sinal de “Pare”, buzinam,
disputam por posições na faixa ou dirigem o veículo em velocidades muito baixas
são as causas apontadas pelos entrevistados. Embora esses fatores provoquem
irritação, os psicólogos acreditam que o trânsito é uma reprodução das relações
sociais e não deve ser visto como uma situação à parte. “As exigências da vida
moderna, em que ninguém tem privacidade, e o trabalho que se estende até tarde
da noite, tudo isso provoca um estresse constante. As pessoas não percebem que
estão no limite e acabam reagindo de forma agressiva no trânsito”, complementa
Vânia. O administrador de empresa Oswaldo Petras que o diga. Ele levou uma
fechada e murmurou apenas a palavra “babaca” para o outro motorista. “Duvido
que ele tenha ouvido, porque apenas sussurrei. Mas entendeu por leitura
labial”, conta. Foi o suficiente. O “adversário” sacou um revólver e deu três
tiros na direção de Oswaldo. Todos pararam na lataria do carro. “Acho que ele
só quis me assustar. E conseguiu.”
QUE NERVOSO! Ser contrariado ou vítima de falta de educação no trânsito pode desencadear reações distintas. Algumas delas são os passos mais curtos para um ataque de nervos. Veja se, quando você é desrespeitado ao dirigir, o seu comportamento é parecido com os que se seguem. Se a resposta for positiva, é melhor você mudar seus conceitos.
1. Não dá passagem por vingança.
2. Cola na traseira do outro carro.
3. Usa o farol alto para atrapalhar o carro da frente.
4. Xinga o motorista.
5. Diminui a velocidade para irritá-lo.
6. Faz gestos obscenos.
7. Freia bruscamente para irritá-lo.
8. Finge que dá passagem, mas não dá.
9. Acelera com o pé na embreagem para assustá-lo.
10. Atende o celular quando o semáforo fica verde.
O QUE MAIS IRRITA
1. Buracos grandes e inesperados que danificam meu veículo.
2. Passo por motoristas que estacionam em várias filas.
3. À noite, motoristas jogam luz alta contra os meus olhos, dificultando a visão.
4. Vans que param em local inadequado para pegar ou deixar passageiros.
5. Vejo carros da polícia cometendo infrações no trânsito, em situações que não são urgentes.
6. Veículos grandes cruzam a minha frente, obrigando-me a frear.
7. Percebo que há guardas escondidos, multando motoristas.
8. Pedestres atravessam em locais arriscados, obrigando-me a frear.
9. Há trânsito lento em fila única e motoristas avançam na contramão.
10. Veículos lentos não saem da esquerda, obrigando-me a ultrapassar pela direita.
11. Operários estão tapando buracos em horário de movimento intenso.
12. Engarrafamentos e trânsito lento me deixam atrasado.
13 Motoristas andam próximos de mim com ruídos altos.
14 Motoristas ficam muito próximos da traseira do meu veículo.
15. Ciclistas andam pela contramão, forçando-me a desviar.
16. Passo diariamente por uma obra que dura meses.
17. Motoristas em geral passam por mim quando abre o semáforo.
18. Sou xingado por ter dado chance para pedestre ou um veículo passar.
19. Todos buzinam instantaneamente quando abre o semáforo.
20. Motoristas andam acima da velocidade permitida para o trecho.
VEJA A CONCLUSÃO DO NOSSO REPÓRTER - ROBERTO AMADO
O trânsito exige muito controle das emoções. Na verdade, sempre foi um ambiente
muito propício aos conflitos pessoais. Anos atrás, quando o trânsito não era um
problema tão crítico, as brigas surgiam pelos motivos mais corriqueiros.
Fechadas, provocações e falta de respeito à sinalização sempre existiram. E,
fora para aqueles que sofrem de transtornos específicos, usar o carro como uma
maneira de descarregar as frustrações tem sido uma prática comum. É necessário
compreender que o automóvel não deve ser mais do que um meio para nos
transportar com liberdade e eficiência. Não um instrumento de raiva, ansiedade
e estresse. E os outros motoristas não devem ser vistos como adversários.
FONTE: CARRO ON LINE